segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Expedição Patagônia Norte - do Pacífico ao Atlântico

 Logo após eu voltar do Caminho de Santiago (a rota francesa que fiz a pé), em Julho de 2006. Enquanto conversa com meu primo Evandro ele me perguntou o que iria fazer depois daquela viagem.

Eu tinha acabado de realizar meu maior e mais importante sonho até aquele momento... sabia que passaria a pedalar a partir de então, tinha até comprado uma bike, mas meio sem saber direito o que responder e um pouco inspirado nas histórias de travessias do Amyr Klink entre outros relatos de viagens, disse que iria do Atlântico ao Pacífico de bike. Obviamente ele assustou!

Sem uma rota definida, coloquei essa ideia em minha mente... nas divagações e vislumbres da época, pensei até em um Ciclomercosul, já que estava desempregado... eram meros devaneios, inviáveis de se concretizarem.

No feriado prolongado de Corpos Crist de 2008, fiz minha primeira ciclo-viagem e gostei do negócio, era o Caminho do Sol. Nessa época havia lido e assistido sobre as viagens da Família Schurmann, onde a Heloísa dizia que para uma grande viagem, o primeiro passo seria marcar a data de saída. Marquei para 8/11/2008 a saída da tal “Expedição do Atlântico ao Pacífico”.

Não tive tanta determinação quanto àquela família. Não cumpri minha parte, cheio de contas a pagar, ao menos essa foi a desculpa que usei para mim mesmo na época. Na verdade eu estava com um p*ta medo.

Quando marquei a data da saída, contei 30 dias de férias, o trajeto inicial seria de Montevidéu, ou Buenos Aires, subindo em direção à Mendonza, Paso Cristo Rendentor, Santiago, Valparaíso no Pacífico. São mais de 1700 km.

Era utopia viajar da maneira que gosto (lentamente), um trajeto desses. Uma solução, baixar um pouco no mapa da América do Sul, quanto mais ao Sul, menor a distância entre os oceanos, mas também não precisaria ser lá na Terra do Fogo.

Foi durante esse ano de 2008 que surgiu a ideia de cruzar a Região do Chubut na Argentina, saindo da Península Valdéz, encarando o Deserto do Chubut, Cruzando os Andes até o Pacífico.

Comecei a estudar e traçar essa ideia e me acovardei. Não me senti preparado. Posterguei minhas férias de novembro para Janeiro de 2009 e fiz o lindo e difícil Caminho da Fé.

Voltei com mais confiança, e em 21 de julho de 2009 retomei o Projeto da Patagônia. A data de saída mais prudente, fins de 2010, início de 2011. O verão.

Em meio à confecção do projeto, certo dia, li ou ouvi em algum lugar dos ventos da Patagônia. Tive um gelo. Pesquisei, pesquisei e finalmente achei um mapa da Marinha Argentina. Meu projeto estava acabado. Eu teria que pedalar subindo rumo aos Andes e pior, contra o vento. Abortei o projeto.

Em 2010, fiz outro Caminho de Santiago, cumprindo duas autopromessas a mim mesmo: de fazer o Caminho novamente, de bike e de fazer o Caminho Português. Uma experiência muito rica para confecção de Projetos de viagens, execução e solução de problemas não previstos. O episódio da garupa quebrada em Coimbra, onde sem motivos me desesperei, com várias soluções da civilização foi uma lição clara de que realmente não estava preparado para a Patagônia.

Em 2011 eu voltaria a estudar formalmente após longos 9 anos de estudos alternativos. Sempre estudei e pesquisei, mas precisava investir um pouco na carreira normal, a financiadora de todos os outros sonhos e fui fazer uma pós-graduação em Controladoria e Finanças.

Antes porém, fiz mais uma ciclo-viagem, onde aumentei as dificuldades, era um circuito com apenas uma parte de infraestrutura para cicloturismo, o Caminho das Missões, já a parte Paraguaia e Argentina, seria no estilo Expedição, apesar de estar o tempo todo perto da civilização e de água. Tive que projetar todo o trajeto, descobrir o que ver, onde dormir, onde cruzar os Rios, alfândegas, etc. Descobrir os problemas com caixas eletrônicos, ficar em paz com problemas na bike, a garupa novamente, dessa vez a dianteira, mas dessa vez apareceu “La Solución”.

Ainda em 2011, no dia 17 de outubro, tive uma ideia de como salvar meu desejo de viagem entre um Oceano e outro. Ao invés de remar contra a maré, iria descer a favor do vento. Agora iria do Pacífico ao Atlântico, previsão de saída para Novembro de 2012 ou Fevereiro de 2013.

Contas a pagar, reforma da casa e problemas na Pós inviabilizaram o projeto para Novembro, já no final de 2012 não pretendia fazer a viagem em Fevereiro de 2013, no lugar seria feito o Caminho do Sol ou da Luz com o Mateus, cogitei até mesmo o Caminho da Fé com ele. Não fizemos nenhum deles.

Em seguida lesionei o menisco do joelho esquerdo. Problemas com o convênio. Operei em Julho de 2013. A recuperação foi rápida e em Outubro de 2013 já tive a boa notícia de poder voltar a treinar a partir de novembro de 2013. Foi um excelente trabalho do Dr. Rodrigo, meu brother e do pessoal da Fisioterapia Cajamar, o Eder, o Éric e a Kelly.

Nesse ano fiz um Curso de Gerenciamento de Projetos visando tanto no âmbito profissional quando no das Expedições. O curso foi excelente, mesmo quando mais amador, não estava muito longe do que diz a ciência dos Projetos.

Dia 15 de outubro, retomei o projeto. Convidei alguns amigos para ir junto, mas no final sobrou só eu mesmo. Mesmo numa viagem “só”, não me sinto solitário. Sempre existem pessoas boas pelo caminho! Gosto de ouvir e sentir as curiosidades do povo dos lugares por onde passo. Do modo simples de ser e viver de do orgulho que sentem de suas terras, de suas reclamações também.

Falei com o Marcos Paulo, meu chefe e fechamos que minhas férias serão em fevereiro de 2014 e que farei plantão durante as férias coletivas. Comprei as passagens.

Bem agora vamos falar um pouco desse tal Projeto:

EXPEDIÇÃO PATAGÔNIA NORTE – DO PACÍFICO AO ATLÂNTICO

HOJE SÓ FALTAM 33 DIAS PARA A VIAGEM!
Partirei em 1º de fevereiro de 2014, serão mais de 1300 km de Pedal!



Durante o Percurso terei as seguintes brincadeiras:

- o Pacífico (primeira vez);
- percorrer um trecho da mítica Carretera Austral;
- visão dos Andes nevados;
- visão de Vulcões;
- lagos Chilenos (dizem que tem cor azul-turquesa);
- subida dos Andes;
- conhecer um pouco mais da história do povo Mapuche;
- lagos andinos Argentinos;
- pequeno trecho da também mítica Ruta 40 argentina;
- Vale do Rio Chubut, ao lado de Canyons esculpidos pela água e pelo vento, repleto de sítios arqueológicos;
- salinas (El Molle);

- Maior desafio será o deserto do Chubut: serão quase 400 km e três pequenas cidades através de estradas não muito movimentadas por carros, cuidar da casa (barraca), da comida, da água, da saúde, da mente... aqui as noites devem ser muito bem estreladas, sonho muito com esse local não turístico!;
- finalmente: o Atlântico;

Por ultimo a Península Valdéz (300 e poucos km) de 4 à 5 dias. Atrações do local:
- diversidade muito rica, baleias, golfinhos, pinguineiras, focas, leões marinhos, lobos marinhos, salinas, mar gelado. A Península é a cereja do bolo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Cicloturismo de Cajamar à Pirapora do Bom Jesus

Cicloturismo: turismo com bicicleta, mesmo que este seja na sua própria cidade.
No Turismo além de você passar pelo local, é interessante que se saiba um pouco da história de onde se passa.
Bem como considero Pedalar uma Máquina do Tempo, o texto a seguir tem um pouquinho disso, de histórias, causos, lembranças e pedal.

Devido ao acumulo de tarefas na vida pessoal fiquei um bom tempo sem sentir o bom vento no rosto que o pedal nos proporciona. Para mim, os anos de 2011 e 2012 foram fracos na bike. O que salvou foi que no início de 2011 fiz a ciclo-viagem da Rota das Missões e depois mais quase nada e em 2012 o único evento significativo foi a Rota Márcia Prado que fiz com o Mateus e amigos no final do ano.
Já nesse ano de 2013 fiquei um bom tempo sem pedalar, não mais por falta de tempo, mas sim por ter lesionado o menisco. Operei em Julho, o Dr. Rodrigo Marquez, meu Brother fez um excelente trabalho e o pessoal da Fisioterapia Cajamar também ajudou muito e logo em Outubro já podia pedalar bem de leve, fiz dois pedais de 10 km cada um.
Agora em Novembro eu poderia aumentar um pouco, mas deveria ser sem exageros. No dia da República, havia programado 25 km, sendo 10 km de terra e os demais de asfalto (muito mais fácil de pedalar); acabei fazendo 30 km, dos quais 27 km de terra e subidas. Surpreendentemente fui muito bem, senti uma fadiga muscular por falta de preparo, mas foi possível terminar o pedal sem empurrar a bike.
Dois dias depois, debaixo de chuva fui fazer a trilha do Japi, saindo e voltando para casa, foram 46 km. Um feliz pedal, tão feliz que nem lembrava que havia operado o joelho há pouco mais de quatro meses. A única prudência era pegar leve nas subidas.
O bichinho trilheiro começou a falar mais alto e eu queria ir para Pirapora (do Bom Jesus), cidade vizinha a minha e que adoro visitar. De Pirapora, lembro quando as romarias rumo a ela cortavam minha cidade (elas ainda cortam), eu achava que era em comemoração a um imaginário “Dia dos Cavalos” (Sic). Numa dessas vezes, meu irmão Becão foi até lá, ele não tinha motivação religiosa, mas como o dia do Bom Jesus coincide com seu aniversário, acho que quis comemorar de maneira diferente, lembro que de lá ele me trouxe uma calhambeque feito de lata, eu adorei o presente.  
A primeira vez que visitei essa cidade, foi durante minha primeira viagem “diferente”, foi quando fiz meu primeiro Caminho do Sol em 2004, na ocasião eu viajava a pé. Depois voltaria lá diversas vezes, novamente fazendo o Caminho do Sol em 2008 (dessa vez de bike), de Jeep, de carro, a pé (voltando de ônibus) e muitas vezes de bicicleta. A saudades de rever essa cidade (indo até lá de bike) foi mais forte que a razão da prudência e nesse sábado, 23 de novembro, não resisti e fui. Durante o caminho comecei a ver como tem história nesse trajeto e resolvi escrever.
A começar pela origem comum das cidades: Cajamar e Pirapora foram emancipadas de Santana do Parnaíba, o Berço dos Bandeirantes.  Pirapora já era um vilarejo desde 1730, cinco anos após ter sido encontrada a imagem do Bom Jesus que existe até hoje na Igreja da cidade, enquanto que o território de Cajamar era apenas um trecho por onde passava o “Caminho do Mar”, uma das supostas origens toponímica da cidade. Durante a segunda metade do século XIX, o Barão de Mauá, para distribuir melhor o café paulista, construiu a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, que provavelmente devido aos acidentes geográficos, desviava-se do antigo Caminho do Mar, na região da futura Cajamar. A cidade demorou a ser povoada e sofre consequências até os dias atuais. Na virada do século XIX para o XX, Pirapora já era destino de muitas romarias, época também que a Capela da cidade foi confiada a Cônegos Belgas.

Partindo do Centrinho de Cajamar, que tem pouco mais de uma dúzia de ruas passa-se por duas construções históricas: a escola de 75 anos “Suzana Dias”, homenagem à mãe e idealizadora dos Bandeirantes, a mulher responsável por tornar o país com território tão vasto com é hoje (a divisa de Santana de Parnaíba é: Brasil eu te fiz grande); e a Igreja de São Sebastião, construída após a promessa dos revolucionários da cidade terem saído com vida do conflito de 1932 (Revolução Constitucionalista).
Logo em seguida entra-se no bairro da Água Fria, região de exploração mineral até hoje. No início do século XX a cidade de São Paulo tornava-se uma Metrópole e para atender suas demandas de consumo, novas caieiras e pedreiras começaram a ser exploradas. As regiões do Gato Preto e da Água Fria eram ricas nesses minérios. Para escoar melhor essas mercadorias seria necessário criar uma ferrovia que ligasse a região à Estação de Perus da Santos-Jundiaí. Diz a lenda (ou seria realmente verdade) que o secretário (ou cargo equivalente) de transporte de São Paulo não queria permitir essa construção, mas era sabido que ele era muito católico, então foi lhe prometido que se a tal ferrovia fosse construída ela poderia levar os Romeiros de Perus à Pirapora, assim a concessão saiu. Pirapora nunca viu um dormente dessa ferrovia em seu território, o ponto final dessa linha eram as Pedreiras dos Pires (Água Fria) e uma ramificação oposta para o Gato Preto.

E.E. "Suzana Dias" tempos atuais 
(foto tirada em outra ocasião)


Igreja de São Sebastião - da década de 1930
(foto tirada em outra ocasião)

O distrito da Água Fria foi crescendo ao redor dessas indústrias de exploração. Em 1932 fundaram o clube de futebol Associação Atlética Cimentos Portland (AACP), o qual tive um avô (Santos Gomes) e um irmão (Lia) que jogaram nesse clube e por isso, logicamente, na cidade torço por esse time. Durante a década de 40 o distrito teve que mudar de nome por ser homônimo a um bairro de São Paulo, passando a chamar-se Cajamar. Nos anos cinquenta, o grupo J. J. Abdalla comprou o complexo de empresas que explorava a região e no final dessa década, três meses antes de Pirapora do Bom Jesus, o distrito tornou-se Município.
O jovem município de Cajamar foi forjado a pedra e fogo, em 1962 iniciou a Greve-Guerra, a Greve dos Queixadas, nome retirado de um porco-espinho que se defende com o próprio queixo. Na cidade, o agora bairro da Água Fria de Cajamar era o centro nervoso desse movimento que dividiu a população entre Pelegos e Queixadas. A greve utilizava-se dos princípios de não-violência de Gandhi e por isso atravessou a ditadura e veio ter seu desfecho somente em 1975. Diz à lenda que nessa época, em sua fuga o Ernesto “Che” Guevara dormira uma noite na sede do Portland (AACP).
Eu particularmente considero o bairro da Água Fria uns dos mais injustiçados da cidade, ainda hoje, século XXI faltam coisas básicas como calçamento descente nas ruas e saneamento básico. O desprezado bairro de origem de Cajamar, na década de 80 chegou a abrigar em escolas, casas e barracos grande parte dos moradores do Centro (Lavrinha), os refugiados do fatídico “Buraco de Cajamar”. A única coisa feliz que me recordo dessa época é que foi nesse período que aprendi a pedalar. Ganhara de meus pais anos antes, a bike mais linda que já tive: uma BMX Pantera da Monark. Deve ter custado muito caro para eles.
Todo esse trecho de história contado acima está localizado apenas nos primeiros 2 quilômetros de pedal. Que percorre um trecho leve de asfalto, outro de “asfalto no buraco” e depois, estradão com cascalho e pó de pedra. Logo após o antigo britador há o cruzamento de caminhões que veem da Pedreira dos Pires, passa-se reto e há uma curva seguida de uma bifurcação, que seguindo reto chega-se aos Teles, Vau Novo  e Fazendinha (Santana de Parnaíba) e virando a direita sobe-se pelas encostas “dos Pires” rumo ao Ponunduva.
A subida é revestida de cascalho, porém com grandes trechos que só há terra e erosões provocadas pelas enxurradas. Suave no início, mas na parte final, vira à direita e os batimentos sobem junto com a inclinação. A descida do lixão (antigo “aterro” sanitário desativado) é muito rápida perto do que subimos e ainda teremos que subir novamente. Quinze minutos subindo, e um minuto e meio descendo e subimos novamente mais uns oito minutos. Nessa hora um fusquinha vermelho passou voando por mim, ainda bem que eu estava bem no cantinho. No topo dessa subida saímos do município pela primeira vez. Nem todo mundo sabe, mas o trecho a seguir já é Pirapora. Uma empolgante descida, uma curva longa para direita, depois outra em forma de cabo de guarda-chuva à esquerda e segue-se por um falso plano, nesse trecho passa-se pelas ruínas de uma casinha que desde pequeno sei que nasceu minha tia Maria, mãe do Paulinho (hoje Paulão).

Ruínas da casa onde nasceu minha Tia Maria
(foto tirada em outra ocasião)

A moleza acaba logo ao chegar aos fornos de cal do Cacupé que resistem ao tempo. Esses fornos parecem torres de castelos (minha sobrinha Jaque diz que é o Castelo da Rapunzel).

Fornos do Cacupé - "O Castelo da Rapunzel"
(foto tirada em outra ocasião)

Após as torres tem a pior subida do trajeto de ida... não disse antes, mas estava chovendo desde o início do pedal e nessa hora a estrada de cascalhos soltos e mata fechada me lembrou as fotos que vi dos rípios das estradas da Patagônia, um bom treino... no final do monte ainda estava inteiro, alguns cachorros com preguiça só me olharam, veio uma escorregadia descida ao chegar no bairro do Por do Sol, lá embaixo, a direita escondidinha, uma mina d´água... antes de entrar vi o fusquinha atravessado na pista logo a frente, como já tinha gente por perto, fui buscar um pouco de água nova.

Cascalho molhado lembram os Rípios - 23/11/13

Uma das coisas que mais gosto de fazer num pedal é beber água direto da fonte! Ainda mais quando se sabe a procedência e qualidade da água (bem, acho que sei).
De volta pra estrada, a fusqueta não estava mais ali... um alívio, melhor, um ledo engano, cem metros depois estava o fusquinha vermelho no barranco... até tentei ajudar de uma maneira ou de outra, mas não deu para ficar muito tempo, eu poderia me machucar. Ao perder o embalo, a nova e curta subida virou um sabão, custei para empurrar a bike, tanto meus pés quantos os pneus da bike deslizavam comicamente. Não cai. Sai do lamaçal e fui tirar um pouco do barro dos freios (V-Break), pneus, câmbios, corrente e sapatos. O final dessa pequena subida é chamado de Cruz de Ferro, eu nunca vi essa cruz lá, mas tem um orelhão à esquerda e a direita é uma das subidas da Placa, que nesse momento estava entre as nevoas cor de cobalto.
Da Cruz de Ferro em diante a descida parece um grande tobogã até o trevo da Comunidade Merkabah Gurudeva (que as vezes visito), seguindo pela esquerda, passei direto pelo Bar do Zé (um bom ponto de apoio, não há lanches, mas há água e paçoquinha, (sic)). Na curva seguinte, parei numa poça de água mais ou menos limpa. Comi uma parte de meu lanche, e depois lavei como pude a bike, assim tirei o excesso de lama e segui viagem. Logo estava no Emílio, bairro rural que leva o nome do dono da maior propriedade de lá, aliás ali já é Pirapora novamente. Passa-se pela barragem do reservatório de água, que separa as águas mais ou menos limpas oriundas do Ponunduva das da barragem de Pirapora do poluído Tietê. Como o tempo estava ruim e ainda era cedo, o local estava vazio, nem sempre é assim, normalmente há banhistas entre outras coisas.

A represa do Emílio (Barragem)
(foto tirada em outra ocasião)

A partir desse trecho, se não fosse o cheirinho da represa do Tietê esse seria um dos locais mais pedalados da Grande São Paulo, o trecho é lindo, cheio de curvas e de altos e baixos bem suaves. Um pouco mais de 5 km depois, chega-se a uma região de chácaras e depois, a subida em degraus do final do trecho de ida. Esse trecho é gostoso de subir, normalmente canto a canção do Renato Teixeira imortalizada pela Elis, a parte que mais gosto é quando a música diz: “Como eu não sei rezar, só queria mostrar/ Meu olhar, meu olhar, meu olhar. // Sou caipira, Pirapora nossa... ”.
Nessa mesma subida, antes da avistar o centrinho de Pirapora, certa vez realizei um sonho inusitado de infância. Eu gostava muito de desenhar, eu fazia muitas paisagens com montanhas, certa vez, para enfeitar um pouco desenhei uns paraquedistas e “esqueci” de colocar o avião do qual saltaram. Não é que nessa subida meu desejo se realizou, eu via paraquedistas no céu e não via os aviões, depois fui descobrir que eles voavam de parapente, não paraquedas. A emoção daquele dia foi tão legal, que por mais que eu tente não consigo transmitir em palavras, acho que só tem sentido para mim que viveu aqueles dois momentos.
Bem no final do alto dessa estrada, do lado esquerdo não vemos, mas está a barragem, do lado direito uns dos vales mais bonitos que conheço e à frente: Pirapora do Bom Jesus.

Linda paisagem antes de Pirapora - 23/11/2013

 Uma descida de terra deliciosa, no final dela começa o asfalto, o Tietê ao lado mostra o lado negro da urbanização, a espuma flutuante do rio não é uma figura de linguagem da literatura é real, fétida, triste. O centro da cidade que a pesar da espuma branca do rio é todo colorido na sua margem, ao centro a igreja rosada, visualmente acima dessa, o monastério belga da Ordem dos Premonstratense (de São Norberto), também visualmente acima desse uma enorme cruz, a Cruz do Século, que desde o ano 2000 é de concreto, em 1900 era de madeira, a tradição dessa cruz no alto do morro da Capuava é desde essa época, mais ao alto que esse cruzeiro tem mais morro, muito mais morro e é de lá que os caras saltam de parapente. Já subi até lá de bike, mas não foi dessa vez que subiria novamente.
Cruzei a primeira ponte e virei à direita, nesse momento estou na rua por onde passa o Caminho do Sol, é muito legal ver as setas amarelas do caminho. Ainda nessa rua há um prédio verde onde o Samba Paulista nasceu. O carnaval de Pirapora é um dos mais antigos do Brasil.
No paço central, desci e comecei a empurrar a bike, nesse momento os sinos começaram a soar. Eu sei que foi a coincidência de chegar ao meio dia, mas parecia que os sinos soavam para mim.
Após a foto e um rápido lanche, achei que era hora de voltar para casa, dessa vez, não passei pela outra ponte que iria dar no Portal dos Romeiros que tem ao seu lado o mirante do Sol em forma de Espiral. Apenas bebi água da fonte da Igreja e me despedi da “Cidade dos Milagres”.

Igreja de Pirapora do Bom Jesus - 23/11/2013

A volta foi um pouco mais dura. Logo de cara aquela “descida de terra deliciosa” já não tinha mais o mesmo sabor, a subida é forte, mas curta. Descida em tobogã, a vila de chácaras, as encostas malcheirosas da represa, a barragem, o Emílio, uma subidinha que no final dela pode-se ver o morro da Placa, umas descidas e ufa, o Bar do Zé, não fiquei muito, tomei um refrigerante (sem culpa) e uma paçoquinha, pronto para a etapa final. Será?
As tão conhecidas subidas, tornam-se intermináveis, a primeira é leve, a segunda, mais ou menos leve, a terceira é o início da dureza, bem nessa hora senti que quebrei. Os músculos já não queriam obedecer, ai começa a negociação com o corpo “Olha, só até aquele poste... até aquela manchinha ali, os batimentos com altos e baixos...” e aquelas perguntas que meu racional faz para mim mesmo “Como é possível você gostar disso?”.
“É possível!”
Foi duro, mas depois de ver até carros penando para subir, me perdoei e segui feliz, porém cansadíssimo pedal daquele dia chuvoso de sábado.
Meu preparo físico ainda está capenga, mas aos poucos, moderadamente voltarei ao meu ritmo!

Ao todo foram 53 km, dos quais 49 km de Terra (com cascalho e lama).